segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Você nunca esteve realmente aqui (You were never really here)




Decidi escrever sobre esse filme mais pelo protagonista e menos pelo filme (não que o filme seja ruim, não é). A atuação de Joaquim Phoenix é brilhante!


ATENÇÃO:
Possivelmente terão spoilers!


Você nunca esteve realmente aqui é um filme que fala de um homem - Joe - destruído por um passado angustiante que aos poucos vamos entendendo e passa a ser um assassino de aluguel. Como se dá essa passagem não é mostrado.

Martelos que Joe compra num mercado


E não é qualquer assassino, ele mata pessoas (homens em sua maioria) que participam do mercado de exploração sexual de meninas. É, o filme não é nada leve e muito menos tranquilo. É pesado. Nem precisaria mostrar as cenas de violência que mostra (e ainda assim, nos poupa de muitas outras) para sentir o peso. O olhar, os flashes e os sufocamentos de Joe nos mostram que ele é um cara atormentado.




Os constantes sufocamentos (sim, ele se sufoca com sacos plásticos ou com toalhas no rosto, tenta se afogar) são demonstrações de flerte com o suicídio, na minha opinião. Ao mesmo tempo em que ele deseja a morte, algo dá sentido para continuar vivendo. Seria a sua mãe? Aquela com quem compartilhou um passado de sofrimento por causa do pai? (Percebam que o pai aparece com um martelo na mão... que é a arma que Joe usa para executar seus inimigos. Parece que a herança de seu pai - a violência e o martelo - passam para Joe). Seria o fato de usar a sua "brutalidade" (ele é admirado pelos clientes por ser brutal) para salvar meninas? Quer dizer, o seu lado "mau" teria alguma utilidade para fazer o bem. Sim, isso poderia dar algum sentido para a vida.

O passado foi tão cruel com Joe que forjou um homem sem muitas expectativas, duro, mas com alguma sensibilidade. Vejam como ele trata a mãe (não é com doçura, mas tem cuidado e preocupação) e ele salva meninas num meio altamente arriscado. É claro, ele recebe dinheiro para essas missões, não é gratuito. Joe não se faz de herói, mas ele poderia ter escolhido outras missões... É uma fonte de renda, mas porque ele escolheu exatamente esse tipo de trabalho? Por que escolheu resgatar meninas do mercado de exploração sexual?



É um filme com poucos diálogos. Joe tem uma voz soturna, é um homem frio, o seu semblante é tenso e triste, o seu corpo é grande e com muitas marcas.
O único momento em que Joe esboça um sorriso (se não me falhe a memória) é numa cena insólita onde ele e um agente da polícia estão no chão da cozinha, o policial ferido, e os dois cantam juntos uma música romântica. Aliás, o filme é entrecortado por isso: cenas de violência e no fundo uma canção romântica.
Seria a vida algo bizarro assim? Momentos de violência, crueldade, perdas, mas com a possibilidade de ouvir canções?

A atuação de Joaquim Phoenix é formidável! Que ator!

Reparem no olhar dessa menina!


É um filme que foge dos clichês. Em alguns momentos, principalmente no início, fica confuso, mas aos poucos as coisas vão se encaixando.
Quis me concentrar mais no perfil psicológico do protagonista e menos no enredo e em outros aspectos técnicos (como se eu soubesse, rs). Nem vou debater a violência que é o mercado da exploração sexual, ainda mais envolvendo meninas, e os grandes esquemas de poder que cercam esse mercado. Fora as perdas que Joe vai sofrendo no caminho...

Um filme denso, com um personagem profundo e comovente, entrega um roteiro violento e com um final surpreendente.

O final me passou uma mensagem do tipo: estamos todos perdidos e talvez nos acostumamos a estarmos perdidos. Para uns, a vida é estar perdido solitariamente, para outros estar perdido junto dê algum sentido para viver. 


Obs: Outro assassino profissional respeitável é o psicopata total no filme Onde os fracos não têm vez. Javier Barden excepcional como sempre!

Obs2: e o título do filme, o que acharam?

Nota: 9

terça-feira, 15 de maio de 2018

A Pedra da Paciência (Syngué Sabour)



Ambientado no Afeganistão em meio a um conflito armado, uma jovem mulher passa os dias conversando e se confessando ao marido que está em coma num quarto decadente. A vida da família é precária, podemos entender que não tem comida nem água para ela e para as crianças, nem eletricidade, nada.
Os personagens não têm nome, a mulher e as duas filhas não têm importância, demonstrando o que elas representam naquela sociedade; já o homem, tido como herói de batalha, jaz inerte, abandonado pela família de origem.

O que essa mulher significou pra mim foi muito marcante. Ela é a mulher devota às tradições: dedica abnegadamente cuidados ao marido sem questionamentos, aceitando passivamente aquelas condições de extremo risco para ela e para as filhas. Até que ela, pelo desespero, começa a questionar as coisas: por que a família dele os abandonou? Ele não era o "herói"?
E ela vai relembrando de como ela sempre foi tratada por ele e pela família, com indiferença por parte dele e com desconfiança pela sogra. Ela lembra que ele sequer a olhou depois que se casaram. Relembra da própria família e do pai que beijava as codornas mas nunca demonstrou nenhum afeto pelas filhas e esposa, só as espancava. Parece que ela nunca recebeu amor nem respeito de ninguém até aquele momento.

É visível o sofrimento e o desespero dessa jovem mulher que não vai suportando aquela situação: a família dele os abandona, o marido está inerte e Deus não as protege.




Ela sai em busca da tia, a única com quem tem contato. Essa tia é prostituta e é a personagem mais sábia do filme. Ela é quem acolhe a sobrinha e quem conta a história sobre A Pedra da Paciência que se trata de um conto onde diz que quando encontramos uma pedra podemos contar todos os nossos segredos, a pedra vai escutar tudo, e em algum momento essa pedra estoura: significa que a pessoa que contou tudo está livre. 
Esse conto dá um sentido para a jovem mulher entender o que estava vivendo: o marido só estava vivo para que ela lhe contasse todos os seus segredos, era a pedra dela.

Outra passagem memorável é quando a jovem mulher e a tia estão conversando sobre Maomé e uma personagem feminina que consta no Alcorão (não lembro do nome) e a tia conclui que profeta mesmo deveria ser essa mulher. 


A tia e a jovem mulher

Então, a jovem mulher vai vivendo um processo de mudança, da mulher submissa e adequada às tradições que a oprimiam e a submetia e passa para uma mulher questionadora e desejante; de objeto se torna sujeito. 

Passa então a falar o que pensa, a contar como se sente e a dizer o que quer. O interessante é vê-la em conflito o tempo todo, a mulher submissa e a mulher questionadora aparecem o tempo todo, ela vive a transição. Ora ela teme pelo marido, ora ela o xinga; ora ela deseja ser amada, ora, com culpa, acha que está endemoniada.

Como ápice do filme, ela revela como concebeu as duas filhas. Nesse momento ela está de cabelos soltos e batom, ali, está assentada a mulher desejante e desafiadora de um sistema patriarcal, já não teme, o afronta. Se sente livre.




A atuação da atriz que faz a jovem mulher é brilhante!!! Em muitas cenas, quando ela está com o lenço na cabeça, me lembrou uma imagem de uma santa. E isso diz um pouco dela também, para ser santa tem que haver sacrifícios e milagres... Quer afronta maior, num sistema patriarcal, uma mulher se colocar no lugar de um profeta (pois profeta é aquele que tem o dom dos milagres)?!







O cenário decadente transmite um pouco o clima de tensão, de desesperança, de que as coisas não vão mudar... a cidade tem destroços por toda parte, perfurações de balas pelas paredes, barulhos de bombas e trocas de tiros, os combatentes aterrorizando os moradores (exceto o jovem gago...).

Filme essencial para pensar sobre formas de empoderamento mesmo em sistemas autoritários e silenciadores e em meio à precariedade e à pobreza.

Nota: 10

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Elle



Elle é um filme angustiante, muito.
Para mim, filmes que retratam a violência contra a mulher, são muito difíceis, ainda mais este, e não só pela posição da protagonista/vítima, como pelas cenas dos estupros e violências que se repetem ao longo do filme. Tenso.

A protagonista, Michèle, é uma personagem dura, lida com as intempéries da vida com dureza. No seu passado, aconteceu um fato muito marcante, que eu acho que explica esse modo de viver.
Viver dá muito trabalho, é fatigante, e cada um criará estratégias para suportar os sofrimentos.

Michèle não se emociona, não se faz de vítima e, simplesmente, continua. A vida é assim: você leva uma porrada e continua. Vida que segue.

DIFÍCIL.




(TEM SPOILERS!)


Michèle tem um pai que foi condenado à prisão perpétua por ter cometido uma chacina onde morava, não fica muito claro, mas de alguma maneira, Michèle, ainda criança, participou do surto do pai ajudando a incendiar objetos da casa. Claro, sendo criança, não podemos afirmar que ela era uma psicopata ou que tenha se tornado uma, mas, evidentemente que, um evento como esse, não passa incólume na vida de alguém. Acredito que ela, para suportar tamanha desgraça, teve que ser fria e dura com esse evento, que por conseguinte, a fez lidar com as coisas assim, com frieza.

Michèle vive cercada de pessoas desprezíveis: o funcionário que a chama de incompetente, o outro funcionário que faz uma animação rodar na empresa humilhando-a; um amante nojento; um filho idiota e, por fim, o vizinho. E ela as mantém próximas de si, encara, se impõe, mas não rompe com as pessoas que a detestam. A relação com a mãe é conflituosa porque ela não aceita os caprichosos da mãe e se recusa a ver/falar do pai.
Aliás, os personagens masculinos do filme são covardes e vis.



A relação dela com o vizinho/estuprador é ambígua. Ela já sentia uma atração por ele, e quando descobre quem ele é, continua sendo atraída. Será que Michèle acredita que deve ser punida? (a cena em que ela pede que o vizinho/agressor a bata corrobora)
Será que ela acredita que deve ser punida pelo que ela fez no passado, no surto do pai? Será que Michèle acha que não seja merecedora de afeto?

Michèle é dura também ao contar para a amiga que é a amante do marido dela (da amiga). Sem nenhuma cerimônia ou lágrimas, numa festa da empresa, chama a amiga no canto e diz toda a verdade.
Michèle, com facilidade, chama o filho de fraco e acusa a nora de traí-lo.
Michèle conta sobre a chacina em que o pai cometeu sem usar um tom dramático; simplesmente conta uma história, como se ela não tivesse vivido aquilo. Está distante.
Frieza quando ela pergunta para o estuprador se foi bom pra ele e insiste na pergunta.


Duas coisas a mais me chamaram a atenção.

Uma, é quando a vizinha (esposa do estuprador), muito católica, agradece à Michèle por ela ter dado ao marido o que ele precisava (porque ele tinha a alma atormentada). O que seria, afeto? Por conta do convite do jantar de natal? Ou a esposa fazia parte dos planos bizarros do marido de violentar outras mulheres??

Outra, quando Michèle decide visitar o pai na prisão e ele se mata ao saber da notícia. Que peso era para ambos se verem, e para o pai, foi algo insuportável. Ele estava preso havia muitos anos e para ter decidido se matar, era porque ver a filha, a coadjuvante da chacina (coagida por ele, provavelmente) o fazia ter uma culpa sem tamanho. Uma história muito pesada de se carregar...

Para Michèle, ser dura a fez sobreviver aos pesos que a vida lhe deu.

A atuação da atriz que faz a protagonista é brilhante!

Nota: 10

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Capitão Fantástico (Captain Fantastic)




Capitão Fantástico é um filme bonito de se ver, contudo tem uma estética que romantiza a vida na floresta e o isolamento social tem o seu preço. Me lembrou um pouco Moonrise Kingdom, Pequena Miss Sunshine e Wild.

O protagonista, Ben, o pai dos 6 filhos é um personagem interessante e, talvez, a minha opinião não seja a da maioria. Ele é um cara que ensina valores essenciais aos filhos: gosto pela literatura "de verdade" (como os Irmãos Karamazov, de Dostoiévski); o  gosto pela música de "qualidade" como as clássicas (Bach, etc); a crítica e a recusa ao consumismo e ao capitalismo (do tipo "Abaixo ao sistema!") e valores como o respeito à natureza (quando o mais velho mata o animal e parece rezar ao final, quando o animal morre) e ter uma vida sustentável. As crianças, assim como os mais velhos (que devem ter no máximo uns 20 anos), são admiráveis, possuem um conhecimento além do comum e possuem uma capacidade física de atletas*.

*Sobre isso, o pai os mantêm sob uma rotina rigorosa de treinos muito intensos, incluindo os filhos mais novos que devem ter 8, 6 anos.


A família meditando

O enredo é esse: uma família composta pelo pai e os 6 filhos vivem isolados numa floresta sem grandes dificuldades, vivem bem, são organizados para viverem nessas circunstâncias. Não frequentam a escola tradicional, o pai é o professor que não ensina apenas o conteúdo alfabetizante, mas também ensinamentos para vida, valores humanísticos. De início não se sabe ao certo sobre a mãe, sabemos que está num hospital.

(Ué, num hospital, com quem? Sua família está na floresta, vivendo bem, e ela? O que aconteceu? Aos poucos, essa história vai sendo mais ou menos contada. Eu fiquei com dúvidas mesmo com o término do filme. 😒 )

À mesa: Ben e os seus filhos junto com a família da sua irmã


Antes dos spoilers, gostaria de pensar sobre o personagem de Ben.

Como eu disse acima, o cara oferece uma educação aos filhos que os tornam pessoas admiráveis porque possuem um conhecimento respeitável sobre Ciência, Literatura, Física e tal, ele instiga o pensamento crítico dos filhos, exige argumentação e diálogo, mas por outro lado, ele é altamente controlador. Ele rege a rotina dos filhos: controla o que lêem, controla os horários e as tarefas de cada um, controla o que os filhos sabem (ou deveriam saber), tudo. Nada deve escapar do seu controle e isso me incomodou bastante.
Apesar de oferecer uma educação brilhante, Ben é absolutamente controlador, ao mesmo tempo em que o conhecimento liberta, o controle do pai aprisiona. Parece que ele exige e espera que seus filhos o considerem a fonte de todo saber e benevolência, mas a vida não é bem assim...

Ben, para mim, foi um personagem irritante na verdade.

Os filhos, por sua vez, respondem às expectativas do pai, até ter a reviravolta do filme.



S             P            O           I              L           E               R           E         S         !!!!



Daqui por diante terão spoilers!



A reviravolta acontece quando Ben fica sabendo que sua esposa se matou. E ao longo do filme saberemos que ela sofria do transtorno bipolar (mania-depressão) desde o nascimento do filho mais velho (que deve ter seus 20 anos), ou seja, todos os seus filhos conheceram a mãe com essa doença. E descobrimos também que Ben falhou em ajudá-la.

Bom, eu esperava ver flashesbacks dela, acho que daria o tom dramático que a situação pedia. Ok, o filme não queria ressaltar isso, mas senti falta de ver como era a convivência dessa mãe que, ora estava eufórica, ora estava depressiva, dentro de uma floresta com 6 filhos e o marido. Sei lá, deve ser bem complicado. Como as crianças lidavam com essa situação?
Senti falta de memórias dos filhos sobre esses períodos. Em algum momento, um dos filhos (o que quer morar com os avós) fala que a mãe desejava matá-los (provavelmente quando estava na fase depressiva). Como era isso, gente??

Outra lacuna foi, porque ela ficou sozinha? Parece que ela estava internada, não sabemos o que precipitou a ida dela ao hospital, mas achei estranho a família ter ficado na floresta. Será que o pai queria evitar o contato da cidade na vida dos filhos? Será que foi um pedido dela que ficasse sozinha?

Achei desnecessária a parte final do filme onde os filhos se escondem no ônibus (não sei como! Considerando que ainda tinha a filha de muletas) e prometem cumprir a última missão: "salvar a mamãe", ou seja, desenterrá-la, cremar seu corpo e dar descarga nas cinzas. rs! Achei viagem, mas está valendo.



Andando sobre outras coisas do filme...

As atuações foram ótimas, principalmente a do ator que faz o Ben (Viggo Mortensen).

O filme promete cenas hilárias como a do filho mais velho pedindo em casamento à uma menina. Zero habilidades sociais! E a cena no supermercado também foi engraçadinha.
E cenas dramáticas como a dos filhos confrontando o pai. Torci para que isso acontecesse! Se a família seguia uma ideologia de enfrentar aquilo que representava "o poder", nada mais coerente do que contestar esse pai também.

Ben se redime, reconhece seus fracassos e isso é bonito no filme.

Outra coisa legal foi que, embora seja uma família isolada, há uma integração, ainda que pequena, entre o "selvagem" e o "urbano". Eles são uma Família Buscapé mas que se sentem atraídos pelo mundo, eles têm vontade de comer hambúrguer, comer doces, experimentar o "outro mundo" e, porque não, de viverem outra vida diferente daquela. Terem escolhas próprias, sem que tenham uma vida escolhida pelo pai.

Para uma família acostumada com a verdade sobre as coisas e poucos rodeios (o pai explica rapidamente o que é "relação sexual" rs), a morte não surpreende, é natural. Os filhos lidam com a  morte da mãe com tristeza, mas Ben não permite o luto, chega a ser exagerado e duro, mas a vida continua normalmente para ele. De qualquer forma, quando os filhos decidem cremar o corpo da mãe para realizar o último pedido dela, lidam com isso de forma assustadoramente natural, sem espanto. Fazem do ritual algo lúdico.



É um filme divertido, dramático, bonito.

Nota: 8,5.




sábado, 19 de dezembro de 2015

A caça (Jagten)


A Caça é um filme dinamarquês lançado em 2012 e trata-se de um homem, Lucas, que é acusado por uma criança, Klara, de 5 anos, de ter mostrado "suas partes íntimas" para ela. O contexto: ele é professor de uma creche, ela é uma de suas alunas e filha do seu melhor amigo.
Até aqui o enredo já basta para ser tenso, a pedofilia é um crime muito grave, pela relação íntima que Lucas tem com a família da criança e mexe com aquilo de mais bonito que a criança representa simbolicamente: pueril, inocência, pureza.

E tem mais.

Lucas está prestes a ter a guarda do filho e pra isso (e para outras coisas óbvias) ter um emprego é essencial. Ele mora numa pequena cidade e está se envolvendo com uma mulher, colega de trabalho na creche.

Alguns acontecimentos são importantes para interpretar a denúncia que ela faz.

Klara é uma personagem interessante. O filme parece nos mostrar que a família de Klara está passando por alguns problemas comuns de qualquer casal. Percebi isso em uma ocasião quando ela estava em frente à casa esperando que os pais a levassem para a creche enquanto o casal discutia, Lucas passa e decide levá-la. Quando ele entra na casa para avisar, o pai de Klara pergunta onde ela estava, ou seja, o pai não sabia onde estava a própria filha.


Klara tem um irmão adolescente e numa ocasião um amigo dele mostra uma imagem pornográfica e faz um comentário.

Num outro momento do filme, na creche, Klara beija Lucas na boca e entrega uma carta com um coração dentro. Lucas, diante disso, tenta conversar com ela, sem sucesso.

* * *

É interessante observar alguns pontos do filme a partir da denúncia.

O modo como tudo foi manejado me pareceu um desastre! Quando a diretora da creche chama um "especialista" para conversar com Klara ele faz perguntas inapropriadas e sem qualquer cuidado com a criança (tanto é que a diretora passa mal durante o inquérito).


A falta de sigilo com o andar das coisas de modo a gerar uma exclusão e punição severa da comunidade contra Lucas e seu filho.

E a falta de chance de defesa de Lucas contra a acusação, de acordo com a diretora: "criança não mente" e assumiu a denúncia como verdade sem averiguar todos os detalhes. Lucas é um professor querido pelos alunos, dá pra perceber que Klara repete o mesmo comentário feito pelo amigo do irmão e parece que ela desenvolveu um amor por Lucas. É o que o filme sugere.

Lucas não perde o controle da situação, no entanto sucumbe à depressão e ao isolamento como é de se esperar em uma situação como essa.
Lucas perde tudo: amigos, o emprego, a guarda do seu filho, a namorada, a confiança das pessoas. O único que extravasa é seu filho, e para ser sincera, me senti contemplada quando ele o fez. rs!


Algumas reflexões:

Crianças não mentem? Não seria uma fantasia da Klara? As crianças são totalmente puras e inocentes sempre?

Quando terminei de assistir o filme entendi que Lucas era inocente o tempo todo, mas e se realmente aconteceu o abuso?? Se sim, o filme toma outro rumo...
Ele sendo inocente sentimos dor ao vê-lo sendo perseguido e execrado, mas sendo ele culpado, faz todo o sentido. É inconcebível a ideia do abusador viver próximo da vítima, mas sendo inocente faz sentido que seja perdoado por tantas perdas que esse evento gerou na vida dele.

E quando o pai da criança, melhor amigo de Lucas, ao mesmo tempo em que acredita na filha, sente a perda do amigo?
São situações-dilemas que colocam sempre uma dúvida. Não existe uma resposta fácil para elas.

O filme é pesado tanto pelo suposto abuso como também pela crueldade imposta a Lucas. O filme não mostra nenhuma cena que sugira a pedofilia, mas é permeado pelo clima de tensão permanente porque PODE acontecer alguma coisa, tanto por parte de Lucas como por parte das pessoas que moram na cidade. Parece que a qualquer momento a bomba vai explodir. A cena da igreja, durante a missa de Natal, é altamente tensa. Uma cena sublime nas interpretações e para mim o ponto auge.
Detalhe que na cena final do filme, durante uma caçada, Lucas decide não matar o veado. Talvez uma metáfora pra dizer que quem era a caça da vez não era o animal, mas ele próprio.


As interpretações são excelentes! A história com todos os seus dilemas e tratando de um assunto delicado não deixa a desejar. Filme para incomodar e refletir.

Nota: 10

OBS: A Caça me lembrou outro filme incômodo e tenso chamado O Lenhador.


quarta-feira, 4 de março de 2015

O jardim das palavras & A árvore do amor

A árvore do amor

O jardim das palavras

Vi os dois filmes em dias seguidos e não pude deixar de notar as coincidências surpreendentes!



O jardim das palavras é uma animação japonesa de 2013 que nos presenteia com uma belíssima estética e trilha sonora. É muito bonita.
Fala do encontro inusitado de um casal - um colegial que pretende ser sapateiro e uma mulher misteriosa - num jardim japonês público em dias chuvosos pela manhã.

"Dias de chuva traz um pouco o cheiro do céu".

Essa fala de Takao, o estudante, é de uma delicadeza e sensibilidade que nos é mostrada ao longo da animação. No jardim ele vai para desenhar modelos de sapato, ainda é um iniciante. Ela, Yukino, leva latas de cerveja e chocolate e tem um olhar distante e triste, além de ler e recitar poemas (acho que era um poema).
Esse encontro vai se desenvolvendo a ponto de ambos torcerem pela chuva (para se reencontrarem) e se apaixonam.
A animação tem tomadas de cenas belíssimas, sempre mostrando os sapatos que Yukino usa, além de seus pés.
É uma paixão inocente e libertadora. Libertadora em vários sentidos. Ela se apresenta triste e "desleixada", a casa é uma bagunça, é desajeitada em preparar sua própria comida; com o passar dos encontros o filme nos mostra que há uma mudança: agora ela quebra os ovos sem derramar! rs! Mostra um cuidado de si que antes não havia.
Takao é um menino que estuda, trabalha muito e ainda se dedica ao ofício de sapateiro. Na cena final, ambos entram numa catarse libertadora, mas ainda assim, inocente.

Obs: após os créditos, tem cenas extras!


A árvore do amor é um filme chinês de 2010. Nos mostra o período da Revolução Cultural Chinesa (déc. 60, 70) onde uma estudante, Jing, é enviada para uma reeducação com os camponeses e lá conhece Sun, mais velho que ela e nasce um amor pueril, extremamente inocente. A família dela é perseguida politicamente e ela e a mãe, para sobreviverem, precisam seguir estritamente as normas e não cometerem erros.
Jing parece ser muito jovem, conhece pouco ou quase nada da vida, é muito tímida; Sun, um rapaz sorridente, trabalha no departamento de geologia do exército, a acompanha à distância, a trata com muito carinho e cuidado.
É engraçado ver um amor tão inocente assim. Quase não existe o toque, Jing não o encara, as "aventuras" proibidas são tão puras... Há uma total contenção dos sentimentos.

A atuação da atriz que faz a menina é incrível! Os dois protagonistas são lindos.





As coincidências.

Ambos os filmes mostram o amor entre uma pessoa muito jovem com uma pessoa mais velha.
Os dois filmes têm um cenário incrível, bucólico.
A referência aos pés femininos aparecem nos dois: quando Takao vai tirar as medidas dos pés de Yukino e quando Sun lava e cuida das feridas nos pés de Jing.
E o que mais me chamou a atenção: a inocência do amor. No A árvore do amor, mesmo no final angustiante, Jing não toca em Sun. Ela chora, mas não o abraça, não o beija. O mesmo acontece no O jardim das palavras, há uma inocência infantil e ao mesmo tempo madura. Em ambos os filmes não há sedução, erotização, "cenas quentes", nada disso, tem outra coisa. Acho que o nosso tempo nos fez esquecer que o amor pode nascer da pureza, do olhar, do cuidado verdadeiro com o outro.

quem assistiu o filme, sabe que essa imagem é tocante no final!


Tiveram coisas que não gostei nos dois filmes, mas me ganharam pela beleza.


Nota para O jardim das palavras: 8.
Nota para A árvore do amor: 7.


sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Relatos Selvagens (Relatos Salvajes)


O filme é um conjunto de 6 histórias onde o fio que os conecta é o extravasamento dos limites humanos. Até onde você acha que iria numa situação de crise? Ou, até onde você gostaria de ultrapassar todos os seus limites para "fazer justiça"?

Os personagens vivem esse dilema e são levados pelas emoções totalmente. Acho que a única história em que a personagem racionaliza o que deve fazer é a história do bar e o mafioso. Os demais personagens não pensam na ética dos seus atos, mas sim, em fazer "justiça" com as próprias mãos que beiram o irracionalismo e a loucura.



Todas as histórias são brilhantes e incríveis! A história que mais me cativou foi a do casamento, sem dúvidas. Todas as histórias valem uma análise aprofundada, porque merecem, mas vou me ater à última.


O que você acha que faria se descobrisse na sua festa de casamento que seu/sua noivo/a a/o trai?

A noiva em questão descobre que o seu noivo a trai, e a amante está lá, na festa. Adiante segue-se uma sequência de humilhações e a festa vira uma cena de espetáculo que é ao mesmo tempo trágica e engraçada. O absurdo nos choca mas também é enfadonho, a gente ri. Esse é um outro grande trunfo do filme, fala-se das desgraças e das irracionalidades humanas (por vezes, justificáveis) que muitas vezes são cômicas, porque beiram o absurdo. O episódio do carro onde dois homens brigam violentamente porque tudo começou com uma "ofensa de trânsito" é exemplo dessa ironia: o filme termina como se fosse um crime passional! Pareceu que o ódio os uniu. Olha o paradoxo!



Voltando ao episódio do casamento. A noiva que parecia ingênua e desinteressante (achei que ela estava "brega" com aquela roupa de noiva, o cabelo, sem maquiagem) vai se transformando numa mulher muito poderosa. A loucura a potencializa. Acho até que para o final do episódio ela está mais bonita, com os cabelos soltos e despenteados, mais viva. O noivo vai sofrendo, as famílias em choque, as amigas em transe. Parece um campo de guerra depois da batalha: pessoas passando mal, médicos atendendo. Até que o noivo também chega ao seu limite e depois de passar por toda a humilhação e a noiva depois do combate e tendo ostentado a humilhação da traição do modo como foi, se entregam para aquele final esplendoroso: o casal está quite.

O filme é excelente, as atuações são brilhantes!

O filme me lembrou muito os de Almodóvar pelo absurdo dos desdobramentos e pela trilha sonora "inusitada" em alguns momentos. O episódio do avião, o primeiro, me lembrou muito Os Amantes Passageiros deste diretor. É absurdo, é catastrófico e hilário!

Ricardo Darín, como bem é seu perfil, está num episódio político. Um cidadão que fica preso numa rede burocrática e corrupta sem saída. E o contrassenso é que o personagem dele alcança no desfecho muito daquilo que perdeu (por causa da multa) e de quando era uma pessoa "normal". Ele está preso, mas é famoso ("Bombito"), tem o apreço de sua família e amigos.


A única história da qual achei trágica do início ao fim foi a do jovem riquinho que atropela e mata uma grávida e a família tenta "resolver" aos seus modos. Realidade do Brasil, é uma história que sabemos que acontece sempre: quem tem muito dinheiro consegue manipular os fatos. O impressionante é que a dimensão humana da tragédia não entra no jogo, e o destino das pessoas e da "verdade" são decididas por uma troca comercial, onde o que está em jogo são os interesses financeiros e o "nome" da família "de bem". Ética e justiça nesse episódio absolutamente não existem, o valor da vida, ali, não existe. Num momento crítico de estresse, em meio à negociação, o pai da família fala que o filho é quem deveria se entregar para a polícia, mas claro, isso foi só um desatino, o dinheiro apaziguou tudo no final.

Nota: 10.