quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Capitão Fantástico (Captain Fantastic)




Capitão Fantástico é um filme bonito de se ver, contudo tem uma estética que romantiza a vida na floresta e o isolamento social tem o seu preço. Me lembrou um pouco Moonrise Kingdom, Pequena Miss Sunshine e Wild.

O protagonista, Ben, o pai dos 6 filhos é um personagem interessante e, talvez, a minha opinião não seja a da maioria. Ele é um cara que ensina valores essenciais aos filhos: gosto pela literatura "de verdade" (como os Irmãos Karamazov, de Dostoiévski); o  gosto pela música de "qualidade" como as clássicas (Bach, etc); a crítica e a recusa ao consumismo e ao capitalismo (do tipo "Abaixo ao sistema!") e valores como o respeito à natureza (quando o mais velho mata o animal e parece rezar ao final, quando o animal morre) e ter uma vida sustentável. As crianças, assim como os mais velhos (que devem ter no máximo uns 20 anos), são admiráveis, possuem um conhecimento além do comum e possuem uma capacidade física de atletas*.

*Sobre isso, o pai os mantêm sob uma rotina rigorosa de treinos muito intensos, incluindo os filhos mais novos que devem ter 8, 6 anos.


A família meditando

O enredo é esse: uma família composta pelo pai e os 6 filhos vivem isolados numa floresta sem grandes dificuldades, vivem bem, são organizados para viverem nessas circunstâncias. Não frequentam a escola tradicional, o pai é o professor que não ensina apenas o conteúdo alfabetizante, mas também ensinamentos para vida, valores humanísticos. De início não se sabe ao certo sobre a mãe, sabemos que está num hospital.

(Ué, num hospital, com quem? Sua família está na floresta, vivendo bem, e ela? O que aconteceu? Aos poucos, essa história vai sendo mais ou menos contada. Eu fiquei com dúvidas mesmo com o término do filme. 😒 )

À mesa: Ben e os seus filhos junto com a família da sua irmã


Antes dos spoilers, gostaria de pensar sobre o personagem de Ben.

Como eu disse acima, o cara oferece uma educação aos filhos que os tornam pessoas admiráveis porque possuem um conhecimento respeitável sobre Ciência, Literatura, Física e tal, ele instiga o pensamento crítico dos filhos, exige argumentação e diálogo, mas por outro lado, ele é altamente controlador. Ele rege a rotina dos filhos: controla o que lêem, controla os horários e as tarefas de cada um, controla o que os filhos sabem (ou deveriam saber), tudo. Nada deve escapar do seu controle e isso me incomodou bastante.
Apesar de oferecer uma educação brilhante, Ben é absolutamente controlador, ao mesmo tempo em que o conhecimento liberta, o controle do pai aprisiona. Parece que ele exige e espera que seus filhos o considerem a fonte de todo saber e benevolência, mas a vida não é bem assim...

Ben, para mim, foi um personagem irritante na verdade.

Os filhos, por sua vez, respondem às expectativas do pai, até ter a reviravolta do filme.



S             P            O           I              L           E               R           E         S         !!!!



Daqui por diante terão spoilers!



A reviravolta acontece quando Ben fica sabendo que sua esposa se matou. E ao longo do filme saberemos que ela sofria do transtorno bipolar (mania-depressão) desde o nascimento do filho mais velho (que deve ter seus 20 anos), ou seja, todos os seus filhos conheceram a mãe com essa doença. E descobrimos também que Ben falhou em ajudá-la.

Bom, eu esperava ver flashesbacks dela, acho que daria o tom dramático que a situação pedia. Ok, o filme não queria ressaltar isso, mas senti falta de ver como era a convivência dessa mãe que, ora estava eufórica, ora estava depressiva, dentro de uma floresta com 6 filhos e o marido. Sei lá, deve ser bem complicado. Como as crianças lidavam com essa situação?
Senti falta de memórias dos filhos sobre esses períodos. Em algum momento, um dos filhos (o que quer morar com os avós) fala que a mãe desejava matá-los (provavelmente quando estava na fase depressiva). Como era isso, gente??

Outra lacuna foi, porque ela ficou sozinha? Parece que ela estava internada, não sabemos o que precipitou a ida dela ao hospital, mas achei estranho a família ter ficado na floresta. Será que o pai queria evitar o contato da cidade na vida dos filhos? Será que foi um pedido dela que ficasse sozinha?

Achei desnecessária a parte final do filme onde os filhos se escondem no ônibus (não sei como! Considerando que ainda tinha a filha de muletas) e prometem cumprir a última missão: "salvar a mamãe", ou seja, desenterrá-la, cremar seu corpo e dar descarga nas cinzas. rs! Achei viagem, mas está valendo.



Andando sobre outras coisas do filme...

As atuações foram ótimas, principalmente a do ator que faz o Ben (Viggo Mortensen).

O filme promete cenas hilárias como a do filho mais velho pedindo em casamento à uma menina. Zero habilidades sociais! E a cena no supermercado também foi engraçadinha.
E cenas dramáticas como a dos filhos confrontando o pai. Torci para que isso acontecesse! Se a família seguia uma ideologia de enfrentar aquilo que representava "o poder", nada mais coerente do que contestar esse pai também.

Ben se redime, reconhece seus fracassos e isso é bonito no filme.

Outra coisa legal foi que, embora seja uma família isolada, há uma integração, ainda que pequena, entre o "selvagem" e o "urbano". Eles são uma Família Buscapé mas que se sentem atraídos pelo mundo, eles têm vontade de comer hambúrguer, comer doces, experimentar o "outro mundo" e, porque não, de viverem outra vida diferente daquela. Terem escolhas próprias, sem que tenham uma vida escolhida pelo pai.

Para uma família acostumada com a verdade sobre as coisas e poucos rodeios (o pai explica rapidamente o que é "relação sexual" rs), a morte não surpreende, é natural. Os filhos lidam com a  morte da mãe com tristeza, mas Ben não permite o luto, chega a ser exagerado e duro, mas a vida continua normalmente para ele. De qualquer forma, quando os filhos decidem cremar o corpo da mãe para realizar o último pedido dela, lidam com isso de forma assustadoramente natural, sem espanto. Fazem do ritual algo lúdico.



É um filme divertido, dramático, bonito.

Nota: 8,5.