quinta-feira, 23 de maio de 2013

Michael


Michael é um filme para poucos, trata-se de um tema tabu e muito angustiante. Michael é o nome do sequestrador que mantém um menino de 10 anos em cativeiro (não dá pra saber por quanto tempo, parece ser um tempo considerável) e o filme mostra a rotina desse sequestrador. Não tem cenas fortes, mas sugere coisas pesadas.

Michael

o menino sequestrado
É um homem que não levanta muitas suspeitas: trabalha, assiste televisão, fala com sua mãe pelo telefone, se encontra com a sua irmã, cumprimenta os vizinhos, (exceto o episódio de quando ele expulsa a colega de trabalho da casa dele numa explosão de raiva).
Acho que essa é a sacada do filme; primeiro, aborda um assunto que não se fala; depois que mostra um criminoso que escapa dos estereótipos de um criminoso, mostra que pessoas aparentemente "normais" podem cometer coisas assustadoras. Nos mostra que essa historinha de que existem pessoas do "bem" e do "mal" não existe, as pessoas não se dividem nessas classificações, ultrapassam-nas.


Michael é um sequestrador vazio, indiferente, organizado e asseado. Se veste bem, mantém a casa limpa e arrumada. O filme é muito lento e cru, não tem música de fundo, cenas apelativas, cenas de ação, nada. Tem poucos diálogos. É quase como "a vida como ela é". No caso de Michael, uma vida regrada, vazia, inssossa, sem energia, numa palavra: "entediante".

Michael é pouco sociável, a única tentiva é quando ele faz uma viagem com dois colegas para esquiarem, e é absolutamente patético. Ele não se diverte, não conversa, numa ocasião se recusa a sair com os colegas para assistir tv, tenta se envolver com uma mulher, mas fracassa.



Sua relação com a menino que mantém preso é de indiferença, mentira e impaciência. Ele passeia com o menino, mas mantém tudo sob controle, mas a maior parte do tempo, o menino fica no sótão e não se rebela, aceita as coisas como são.

O final é muito surpreendente! Não imaginava... Posso dizer que há uma grande reviravolta, que não é nada fácil. Há uma transgressão do limite da humanidade, só que por parte da criança. Parece que em situações-limite os seres humanos "precisam" agir de modo não-humano para suportarem o sofrimento e sobreviverem.


Nota: 8.

"sondando" possíveis vítimas
porta do sótão

Spoilers abaixo!

No velório de Michael, o sermão do padre é interessante. Ele fala do sentimento de perda que a mãe deveria estar sentindo, do quão jovem ele morreu e tudo que deixou de viver. Que injusto era aquilo tudo! Ao mesmo tempo, essas mesmas palavras mostram a ambiguidade da situação: esse sermão serviria para o menino sequestrado. Como será que a família da criança estava? A privação de liberdade matou o quê da infância do menino? São perguntas que, se houver respostas, certamente são incomensuravelmente dolorosas.
 

Confessions (Kokuhaku)

capa 1
capa 2 - bem legal
capa 3 - muito bom!
Confessions é um filme japonês e um dos melhores que fala sobre vingança que já assisti, se não o melhor. Diferentemente de Old Boy, que também é um filme sobre vingança, eu achei que em Confessions a vingança é proporcional ao mal gerado, em Old Boy não, a vingança é desproporcional, e isso faz toda a diferença, porque em Confessions eu "torci" pela vingança, tive até um sentimento de "fazer justiça"; em Old Boy a vingança é exagerada, é muito além do mal que foi feito.

É um filme muito cruel e pesado. Cruel mesmo. Mas sem cenas de violência explícita ou algo do gênero (até tem uma cena violenta, porém, definitivamente não é a cena mais forte do filme...). Então, como disse, é um filme que gira em torno de uma vingança engendrada por uma professora à seus alunos adolescentes. É isso mesmo.

o ideograma escrito no quadro significa "vida"
Yuko é uma professora que um dia, em sala de aula, anuncia duas coisas  sob o deboche dos alunos: aquele será seu último dia de aula (em que seus alunos comemoram) e, que descobriu que sua filha de quatro anos, chamada Manami, não morreu afogada acidentalmente como alegou a polícia, mas foi assassinada por dois dos seus alunos que ela sabe quem são e avisa que irá se vingar. Pânico.



A partir daí os fatos são colocados mostrando a rede de pessoas e acontecimentos, em ordem não-cronológica, revelando os detalhes da morte e da vingança sob a ótica dos envolvidos (por isso "confissões", os personagens principais confessam o seu íntimo e o filme é dividido em confissões).

Sangue no leite - essa imagem remete à uma das ardilosas "redenções forçadas" impostas por Yuko
A professora explora profundamente as fraquezas dos assassinos (que ela vai chamar de A e B) e vai manipular qualquer pessoa para que sua vingança seja a mais cruel e a mais dolorosa. O importante é que a vingança não é para matar os assassinos (quase todo filme do gênero é uma caçada para matar o assassino), mas sim, mantê-los vivos para sofrerem as consequências, se redimirem. Ela não tem planos mirabolantes e não usa de alta tecnologia para se vingar, é mais uma manipulação psicológica que varre para o ralo qualquer esperança de escaparem das consequências dos seus atos.
 
ápice do filme
As atuações, principalmente a dos dois meninos e a da professora, são excepcionais!
Outros pontos para discutir: o incômodo que a aluna (que se envolve com o A) sente ao perceber que os demais alunos se esquecem com facilidade do incidente, de como preferem viver o superficial em detrimento de lidarem com o difícil; de como o novo professor da turma é tão ingênuo que beira o ridículo e, apesar das ótimas intenções, inocentemente, sem saber, provoca sofrimento.


Spoilers daqui para baixo!

De fato, os dois meninos caem facilmente na trama armada por Yuko. Um, é mais resistente por ter a auto-estima mais elevada e ser um pequeno gênio, isso o faz se sentir superior às pessoas (o assassino A); o outro (o assassino B), mais frágil e vulnerável, foi duplamente vítima porque foi usado por A e porque participou do crime para ter um amigo (o A), e por "azar" é quem mata a criança (explico, o A foi quem planejou tudo e usou o B como cúmplice caso desse algo errado, mas o A era quem queria os "louros da vitória", era quem queria de fato ter matado a menina).


Cada menino, o A e o B, é marcado por histórias tristes; um, quer a atenção da mãe que o abandonou; o outro, quer ter amigos. Em essência, é essa a fragilidade dos dois e é exatamente onde Yuko atingirá sem piedade. E é nesse sentido que considero o filme pesado, porque os dois personagens (e quem estiver por perto) almejam nutrir sentimentos inocentes e puros - querer o amor da mãe e ter amigos é algo muito humano - que ao se fragmentarem fazem com que os personagens percam seu eixo da existência.


Vejo semelhanças nos três personagens: a perda da humanidade por causa da perda daquilo que os tornava humanos. Yuko diz no começo do filme que, quando Manami morreu, morreu também parte importante dela, assim como os meninos lutavam para manter um traço de humanidade buscando aquilo que os fizessem se sentir acolhidos e amados. Por fim, Yuko quer fazer justiça com as próprias mãos e destrói as esperanças dos meninos.

Nota: 10.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Amor (Amour)


Assim como outros filmes do diretor Michael Haneke, é um filme duro de se assistir, e logo no início do filme já sabemos que não veremos um "final feliz". O amor aqui não se trata de declarações melosas, é outra coisa. E gosto muito desse outro olhar, filmes de romances "cor-de-rosa" (casais bonitinhos, histórias que só acontecem em filmes) são chatos e muitas vezes irreais; o interessante é olharmos para outras manifestações desse sentimento tão desejado e falado por todos.

O filme se passa quase que totalmente num apartamento e centraliza no casal. As atuações dos dois estão incríveis! O olhar vazio e perdido de Anne é impressionante.

O filme trata de um casal de idosos por volta dos seus 80 anos que vive confortavelmente num apartamento em Paris. Anne sofre um derrame e o seu marido George é quem assume os cuidados e precisa readaptar a vida dos dois, pois aos poucos, Anne fica mais decrépita: fica paralisada de um lado do corpo, tem lapsos de memória, e por fim, já não consegue articular uma frase. Se torna totalmente depende, até das necessidades mais elementares, dos auxílios de George. A filha do casal é ausente e distante.


O filma narra fria e lentamente como a vida desse casal vai se tornando, e deixa claro como há amor e cuidado entre ambos. 

 (Daqui para baixo têm pequenos spoilers...)

George é extremamente calmo e paciente, cuida de Anne, apesar dos impropérios ditos por ela e uma única vez perde a paciência... e se lamenta depois. Ainda que seja uma atitude condenável, fico imaginando o quanto aquela agressão feriu o próprio George... Ele se encontrava numa situação-limite, sozinho, amava Anne e mesmo assim foi capaz de agredí-la.
 
Anne era professora de piano

O filme mostra as agruras da doença, as preocupações que cercam a vida das pessoas envolvidas com o adoecimento, as mudanças radicais no cotidiano, o distanciamento das pessoas (quando o aluno de Anne lhes envia uma carta dizendo estar muito triste com a situação dela e visivelmente Anne se decepciona com essa atitude; a filha que os visita com pouca frequência e não se envolve muito), pessoas que se aproximam (os vizinhos que ajudam nas compras e na limpeza do apartamento), o desconhecido (George não sabe o quê fazer em muitas situações), é uma jornada solitária...

A carta que George escreve, embora não se saiba para quem é endereçada, para mim, ele escreve para Anne, na sua incapacidade de falar e raciocinar e na sua despersonalização, George ainda conversa com Anne, nem que seja por carta. Ele ainda consegue conservar a imagem e a pessoa que Anne era antes da doença.


a filha do casal , Eva, e George
Por fim, é um filme que nos faz pensar na finitude da vida, na velhice, no adoecimento, na morte e no amor que perdura a isso tudo. Diante desse contexto de terminalidade da vida e do sofrimento, o filme quebra um paradigma e deixa uma pergunta inquietante: a morte é um acontecimento necessariamente terrível ou poderia se tornar um ato de amor?

O filme parece apontar para a segunda hipótese, e nos mostra isso com uma certa dose de frieza e sensibilidade. 

Nota: 9.