segunda-feira, 13 de maio de 2013

Amor (Amour)


Assim como outros filmes do diretor Michael Haneke, é um filme duro de se assistir, e logo no início do filme já sabemos que não veremos um "final feliz". O amor aqui não se trata de declarações melosas, é outra coisa. E gosto muito desse outro olhar, filmes de romances "cor-de-rosa" (casais bonitinhos, histórias que só acontecem em filmes) são chatos e muitas vezes irreais; o interessante é olharmos para outras manifestações desse sentimento tão desejado e falado por todos.

O filme se passa quase que totalmente num apartamento e centraliza no casal. As atuações dos dois estão incríveis! O olhar vazio e perdido de Anne é impressionante.

O filme trata de um casal de idosos por volta dos seus 80 anos que vive confortavelmente num apartamento em Paris. Anne sofre um derrame e o seu marido George é quem assume os cuidados e precisa readaptar a vida dos dois, pois aos poucos, Anne fica mais decrépita: fica paralisada de um lado do corpo, tem lapsos de memória, e por fim, já não consegue articular uma frase. Se torna totalmente depende, até das necessidades mais elementares, dos auxílios de George. A filha do casal é ausente e distante.


O filma narra fria e lentamente como a vida desse casal vai se tornando, e deixa claro como há amor e cuidado entre ambos. 

 (Daqui para baixo têm pequenos spoilers...)

George é extremamente calmo e paciente, cuida de Anne, apesar dos impropérios ditos por ela e uma única vez perde a paciência... e se lamenta depois. Ainda que seja uma atitude condenável, fico imaginando o quanto aquela agressão feriu o próprio George... Ele se encontrava numa situação-limite, sozinho, amava Anne e mesmo assim foi capaz de agredí-la.
 
Anne era professora de piano

O filme mostra as agruras da doença, as preocupações que cercam a vida das pessoas envolvidas com o adoecimento, as mudanças radicais no cotidiano, o distanciamento das pessoas (quando o aluno de Anne lhes envia uma carta dizendo estar muito triste com a situação dela e visivelmente Anne se decepciona com essa atitude; a filha que os visita com pouca frequência e não se envolve muito), pessoas que se aproximam (os vizinhos que ajudam nas compras e na limpeza do apartamento), o desconhecido (George não sabe o quê fazer em muitas situações), é uma jornada solitária...

A carta que George escreve, embora não se saiba para quem é endereçada, para mim, ele escreve para Anne, na sua incapacidade de falar e raciocinar e na sua despersonalização, George ainda conversa com Anne, nem que seja por carta. Ele ainda consegue conservar a imagem e a pessoa que Anne era antes da doença.


a filha do casal , Eva, e George
Por fim, é um filme que nos faz pensar na finitude da vida, na velhice, no adoecimento, na morte e no amor que perdura a isso tudo. Diante desse contexto de terminalidade da vida e do sofrimento, o filme quebra um paradigma e deixa uma pergunta inquietante: a morte é um acontecimento necessariamente terrível ou poderia se tornar um ato de amor?

O filme parece apontar para a segunda hipótese, e nos mostra isso com uma certa dose de frieza e sensibilidade. 

Nota: 9.


2 comentários:

  1. Adorei!!! Só não achei a filha tão ausente assim e distante, são como todos nós, filhos com suas próprias vidas até que seus pais adoecem e já não sabemos mais em que ponto os deixamos..., quando e como foi que nos distanciamos, ou seja, talvez a filha fosse sim distante e ausente, mas não vi nada de pejorativo nisso e minimamente acho que aconteça com todos nós.
    Como os atores tem exatamente a idade do que representam acrescentaria que o filme se passa neste mesmo tempo: no tempo dos movimentos e da vida de quem já tem 80 anos, é curiosamente lento.

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  2. Amiga cinéfila querida, Verônica. AMEI sua análise crítica!!! Logicamente a vida e sua finitude nos ensina o óbvio que queremos negar: sim, a finitude é a única certeza que a vida nos dá. O resto são escolhas, viagens, vivências, que redundarão num caminhar mais ameno, ou nem tanto. E o amor também é isso: uma construção erigida no e pelo caminhar. A história de George e Anne é sublime, é o amor que sustenta tudo, e faz suportar a vida como ela se apresenta. Nada além do amor possui essa capacidade tão dramática e absurdamente essencial.

    Agora permita-me uma opinião minha, unicamente minha: não vi tanto o tapa do George como um ato isolado de "impaciência", pelo contrário, vi amor ali (ok, essa é uma questão pra lá de polêmica e que aqui não dá para discutir mais a fundo), mas vi ali um "colocar de limites", uma forma de comunicar à Anne que George estava sendo amoroso e ela não... pois estava sendo orgulhosa e egoísta com sua dor, que embora parecesse ser só dela, era também do George. Lógico que um tapa desse só "caberia" (se é que cabe, dado à polêmica do ato) em um momento de profundo amor e profunda humanidade que irracionaliza o amor. Não sou à favor da violência em nenhuma circunstância, mas sou à favor da análise dos contextos e da dureza da vida. Aquele tapa, a meu ver, era o tapa da vida diante da rudeza das almas. Porque as almas rudes são capazes de nos estapear sem estender mãos - e a vida estapeia na mesma medida. A cena, portanto também a meu ver, era mais a representação disso.

    Gostei tanto de sua análise, Verônica, que ontem revi o filme (baixei-o aqui em Lisboa). Enfim... filme indigesto, porque é preciso nos preparar para as indigestões do viver. Fiquei mais atenta e menos brutalizada, talvez, para um dia encarar melhor este momento derradeiro: nossa finitude, a minha e dos demais, uma finitude sem drapeados, sem adornos e sem fantasias. Eu diria se tratar de um exercício de colocar em evidência a poesia da rudeza, convertendo o que se parece brutal, no que é mais que natural e real: envelhecer. E o diretor Michael Haneke, primoroso como sempre, nos brinda com a vida tal como ela é. E você, amiga Verônica, nos convida a ver este filme, com muita elegância e nenhum eufemismo. Parabéns, Verônica!!! Adoro sempre saber o que é que você pensa!!! Beijão saudoso!!!

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