sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Relatos Selvagens (Relatos Salvajes)


O filme é um conjunto de 6 histórias onde o fio que os conecta é o extravasamento dos limites humanos. Até onde você acha que iria numa situação de crise? Ou, até onde você gostaria de ultrapassar todos os seus limites para "fazer justiça"?

Os personagens vivem esse dilema e são levados pelas emoções totalmente. Acho que a única história em que a personagem racionaliza o que deve fazer é a história do bar e o mafioso. Os demais personagens não pensam na ética dos seus atos, mas sim, em fazer "justiça" com as próprias mãos que beiram o irracionalismo e a loucura.



Todas as histórias são brilhantes e incríveis! A história que mais me cativou foi a do casamento, sem dúvidas. Todas as histórias valem uma análise aprofundada, porque merecem, mas vou me ater à última.


O que você acha que faria se descobrisse na sua festa de casamento que seu/sua noivo/a a/o trai?

A noiva em questão descobre que o seu noivo a trai, e a amante está lá, na festa. Adiante segue-se uma sequência de humilhações e a festa vira uma cena de espetáculo que é ao mesmo tempo trágica e engraçada. O absurdo nos choca mas também é enfadonho, a gente ri. Esse é um outro grande trunfo do filme, fala-se das desgraças e das irracionalidades humanas (por vezes, justificáveis) que muitas vezes são cômicas, porque beiram o absurdo. O episódio do carro onde dois homens brigam violentamente porque tudo começou com uma "ofensa de trânsito" é exemplo dessa ironia: o filme termina como se fosse um crime passional! Pareceu que o ódio os uniu. Olha o paradoxo!



Voltando ao episódio do casamento. A noiva que parecia ingênua e desinteressante (achei que ela estava "brega" com aquela roupa de noiva, o cabelo, sem maquiagem) vai se transformando numa mulher muito poderosa. A loucura a potencializa. Acho até que para o final do episódio ela está mais bonita, com os cabelos soltos e despenteados, mais viva. O noivo vai sofrendo, as famílias em choque, as amigas em transe. Parece um campo de guerra depois da batalha: pessoas passando mal, médicos atendendo. Até que o noivo também chega ao seu limite e depois de passar por toda a humilhação e a noiva depois do combate e tendo ostentado a humilhação da traição do modo como foi, se entregam para aquele final esplendoroso: o casal está quite.

O filme é excelente, as atuações são brilhantes!

O filme me lembrou muito os de Almodóvar pelo absurdo dos desdobramentos e pela trilha sonora "inusitada" em alguns momentos. O episódio do avião, o primeiro, me lembrou muito Os Amantes Passageiros deste diretor. É absurdo, é catastrófico e hilário!

Ricardo Darín, como bem é seu perfil, está num episódio político. Um cidadão que fica preso numa rede burocrática e corrupta sem saída. E o contrassenso é que o personagem dele alcança no desfecho muito daquilo que perdeu (por causa da multa) e de quando era uma pessoa "normal". Ele está preso, mas é famoso ("Bombito"), tem o apreço de sua família e amigos.


A única história da qual achei trágica do início ao fim foi a do jovem riquinho que atropela e mata uma grávida e a família tenta "resolver" aos seus modos. Realidade do Brasil, é uma história que sabemos que acontece sempre: quem tem muito dinheiro consegue manipular os fatos. O impressionante é que a dimensão humana da tragédia não entra no jogo, e o destino das pessoas e da "verdade" são decididas por uma troca comercial, onde o que está em jogo são os interesses financeiros e o "nome" da família "de bem". Ética e justiça nesse episódio absolutamente não existem, o valor da vida, ali, não existe. Num momento crítico de estresse, em meio à negociação, o pai da família fala que o filho é quem deveria se entregar para a polícia, mas claro, isso foi só um desatino, o dinheiro apaziguou tudo no final.

Nota: 10.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Babadook


Babadook é um filme de suspense tradicional: as pessoas começam a ver / sentir uma criatura dentro de casa. Começa pela criança e depois a mãe.
Diferentemente de filmes do gênero, onde, ao longo da história temos pistas da origem do sobrenatural, Babadook não tem nenhuma explicação. Não sabemos se é um espírito, uma maldição, se é o Diabo, o que pretende, mas é do mal.

Logo que assisti esse filme fiz uma análise, passado alguns dias surgiram outras interpretações. Três ao todo!

Antes uma pequena sinopse para quem não viu.
Moram numa casa, a mãe Amélia e o filho Samuel (deve ter seus 9, 10 anos). Samuel é uma criança muito agitada, ele é expulso da escola e começa a ser mal quisto pelas pessoas. A mãe, visivelmente cansada, trabalha num asilo acompanhando idosos.
Uma tragédia marca essa família - a morte do marido / pai acontece no dia do nascimento do filho.
Samuel tem pesadelos todos os dias e a mãe mal consegue dormir; até que ele começa a falar de um tal de Babadook e acha um livro "infantil" no estilo "Babadook vai te pegar". E o tormento começa. A mãe passa a não dormir mais, a ver a tal criatura, a perder o controle de si e do filho, a ficar estranha...a tal ponto de ameaçar o próprio filho.




CONTÊM SPOILERS!!!


Interpretação 1:
Babadook é real, apareceu por acaso, atormenta a família e pela coragem de Amélia, afugenta e trancafia a coisa no porão. Ok. Filme tradicional do gênero com um final diferente.

Interpretação 2:
Babadook é uma fantasia de Samuel. Ao longo do filme, Amélia não suporta o cansaço e o descontrole do filho e começa a medicá-lo para ele dormir. Samuel tinha pavor de perder a mãe e estava tendo problemas de socialização. Brigava com outras crianças, era provocado por elas e reagia agressivamente. Não seria o Babadook uma grande fantasia (estava sendo dopado) de forma que fosse mais suportável lidar com a perda do pai, o sofrimento da mãe (que também sofria o luto) e com as provocações? Assim, a mãe seria uma "heroína" para ele, o manteria seguro num mundo muito ameaçador.
Essa hipótese pode ser sustentada por várias passagens do filme.



Interpretação 3:
Babadook é uma metáfora do desespero humano. Me interessa mais essa hipótese.
Sendo o Babadook uma metáfora, ele é real e irreal. Existe para quem vive a situação de desespero e não existe para quem está fora.
Não é coincidência que Babadook "aparece" dias antes do aniversário de Samuel e de falecimento do marido / pai. É com a iminência da segunda data que Babadook faz sentido. Ele seria o desespero dessa família, o medo, o luto da morte e a não recomposição da vida da família.
Amélia não superou a morte do marido, Samuel não dorme porque tem pesadelos e Babadook surge como uma rememória do passado desastroso e como ainda pode desestruturar aquelas pessoas.
Babadook possui Amélia, a torna agressiva e hostil. Demonstrando sua fragilidade diante do medo que devasta sua vida.

Babadook é caricato, lembra um personagem de desenho animado, feito de papel. Amélia, numa de suas noites insones, assistindo tv, o vê na tela em filmes em preto e branco e em desenho animado. Não seria Babadook uma criação de seu próprio temor?

Por fim, ela afugenta a criatura para proteger seu filho que se esconde no porão. No clímax do filme, onde tem o confronto direto de Amélia e a criatura, Babadook se traveste do marido dela e chama pelo filho. Será que no auge da sua depressão e medo, ela estaria disposta a matar seu filho imaginando um lugar melhor para ele? Ao afugentá-lo, ela decide viver e é como se ela assumisse o controle sobre o medo, que a ameaça, que está ali, bem perto dela, ora personificado como monstro, ora como o marido. Há um processo de expurgação. Parece que os medos e as lembranças ruins sempre estarão conosco, muito próximas, inclusive fazem parte das nossas vidas, mas como lidamos com elas?

A interpretação da atriz que faz Amélia e do ator-mirim são excelentes!

Nota: 8.