segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Precisamos falar sobre Kevin (We need talk about Kevin)

É um filme muito perturbador. Dormi e acordei pensando nele... Mas antes que pensem que é um filme de terror ou de violência gratuita, digo que não é. É um filme muito bem feito, com atuações brilhantes e olhares aterradores.

Com poucos diálogos é um filme que mostra o sofrimento intenso da mãe, Eva (Tilda Swinton), de um psicopata ainda adolescente, Kevin. No início do filme você já pressente que não vai vir coisa boa, e quando acontece algo de ruim, a expectativa é de que algo muito pior esteja por vir. Foi assim que me senti durante todo o filme, fiquei tensa esperando o que de ruim fosse acontecer, e realmente, acontece.

O filme é contado de maneira bem interessante: é picotado com cenas do presente e do passado, que vão revelando o que aconteceu para culminar naquela vida massacrada que é o  presente de Eva. Outro ponto que achei original é o foco do filme ser na mãe de um psicopata e não nele. Todos os filmes do gênero mostram como protagonista o psicopata e suas crueldades, nesse não, mostra a figura que esteve presente desde o início: a mãe, e claro, todo o sofrimento e a dúvida que persiste.

Capa do livro
Eva é casada com Franklin e decidem ter um filho, Kevin, e desde pequeno Kevin e Eva têm uma relação de estranhamento, distância e confronto; ele ainda criança manipula os pais (e outras pessoas também se for necessário, como a médica quando ele quebra o braço) e sabe como extrair proveito das situações. A cada resposta dele, Eva parece ficar muito surpresa e assustada. O pai é muito carinhoso e nada suspeita do menino. Alguns anos depois eles têm uma menina, Celia.

Desde quando Kevin era bebê, se torna nítida a dificuldade que Eva tinha de ser mãe - mudar de vida, abrir mão de muitas coisas, ter que ser amável quando o bebê só chora, ter paciência quando a criança se recusa veementemente a falar "mamãe".

É muito interessante as cenas do filme marcadas pelo silêncio, pelo olhares cínicos e medrosos, pela cor vermelha que remete ao sangue e é profundamente doloroso assistir todo o sofrimento que Kevin vai gerando nas pessoas, principalmente em Eva e somente ela nota isso. O ato, que dura o filme todo, de tirar a tinta vermelha da casa parece indicar que o passado está presente, ali, escancarado, mas também um processo de limpeza, de tentar sobreviver quando já se perdeu tudo, só restou dor e medo.

No presente Eva é execrada e humilhada constantemente pelas pessoas que não esquecem (e não tem como esquecer) da tragédia que Kevin provocou na escola... Ela fica sendo a "mãe que criou o monstro". Viver sob esse estigma é muito difícil.


O terror do filme é outro, é uma rejeição e um afrontamento sutis, lento e muito cruel. Taí, crueldade é uma palavra que marca o filme, e é tão provocador que Eva não resiste e cede algumas vezes à ela e faz parte do jogo de Kevin.


É um filme que faz pensar de onde e como surge a psicopatia. Mas sinceramente, ainda é uma grande incógnita.

Ele rompe com a idéia da maternidade ser algo maravilhoso; e quando a criança se torna insuportável? O quê fazer?

Eva procura respostas, leva Kevin ao médico e é constatado que ele é uma criança normal. Como fica a cabeça de uma mãe que não tem absolutamente nenhuma explicação para justificar o filho problemático?

Não concordo com expressões como "a criança maldita" ou "filho do demônio" ou "a encarnação do mal", coisas do tipo... Minha hipótese é que a crueldade e o belo coexistem no ser humano, é claro, que não tô discutindo aqui condições de maus-tratos e miséria social, mas a essência humana.
Não acho frutífero também pender o debate para a religiosidade, como possessões e afins. 

O título é emblemático, em nenhum momento é conversado abertamente sobre e com Kevin. Eva simplesmente convive e se "acostumou" com Kevin e com o sofrimento.


Eu diria que o auge do filme não é somente quando nos é revelado a tal tragédia que Kevin provoca, que é extremamente terrível, mas sim no finalzinho mesmo, quando ela pergunta o porquê de tudo aquilo. Para mim foi a parte mais tensa e cruel... Procurando críticas sobre esse filme, li alguns comentários interessantes que mostram algumas partes do livro (é, tem um livro que deve ser MT melhor/pior) e tem uma frase que, para mim, explica toda essa relação com a mãe. Ele diz: "Quando a gente prepara um show, não atira na platéia". 

Pra mim é isso, é esse o sentimento que Kevin tem por Eva e tudo que ele faz é para ferí-la. Sem motivo, só por ferir, como ele diz, que o propósito é não ter propósito. 

É um filme muito duro, terrível de se assistir, mas interessantíssimo!

Nota: 10.





Gostaria de pedir atenção aos spoilers, quem achar que é preciso revelar a trama para a discussão, avise por favor que contém SPOILERS! Ok?




10 comentários:

  1. Eu já li o livro e pretendo ler novamente. Foi o melhor livro que já li na vida e é um livro que pesa e fica. Concordo com tudo que você escrever, mas acrescento uma outra percepção, a de que o que ele fez, foi para que no final das contas ela só tivesse a ele. Acredito que de um modo subversivo, nada convencional e até mesmo cruel ele amava a mãe. Kevin não era uma pessoa boa, ele é um psicopata, mas acredito que até psicopatas podem amar, o que eles tem, ou melhor o que não tem é culpa e um discernimento de certo e errado. Ele sabia que a mãe tinha verdadeira adoração pelo marido e que amava a irmã dele, Celia, mas quanto a ele essa relação de amor não era estabelecida como era com os outros integrantes da família. A única pessoa que o Kevin amava era a mãe porque ela era a única que realmente o conhecia e convivia com isso. O pai era carinhoso porque era cego em relação ao filho e quanto mais carinho e dedicação o pai demostrava em relação a ele, mais ele desprezava o pai, pois este amava e admirava algo que não existia, alguém que não existia. O Kevin poderia simplesmente matar o pai e a irmã, mas aí sua mãe seria vitimizada e teria o apoio dos outros por sua perda e pela imensa crueldade do filho. Porém matando pessoas de fora e principalmente colegas de escola, adolescentes, ele mexe com a dor dos parentes e conhecidos dos outros e quando algo dá errado, alguém DEVE ser o culpado. Na falta de uma família ( e até mesmo na presença dela) a culpa é da mãe. Dessa forma ela retira a família de Eva e ao mesmo tempo a exclui da sociedade, uma vez que ela É a culpada pela atrocidade que o filho cometeu. E sem ninguém mais, só a resta o filho. O filho que matou seu marido e sua filha, mas no final ainda e apesar de tudo, seu filho. Ele por ser o único, se torna essencial (isso é demonstrado no fato dela o visitar). E no fim ele consegue o que quis, a mãe só para ele. Ele pode não dizer o motivo principal, mas ele sabe. Ele só diz não saber mais porque fez o que fez, porque o resultado não foi exatamente como ele imaginou. No fim ele consegue a mãe só pra ele, consegue, mas tem que conviver com a cadeia primeiro.

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    1. Hm, Miss Bennet, gostei mt da sua versão! Faz mt sentido sim! E acredito que para todo pólo do ódio, existe o amor. Andam lado-a-lado.
      Visite o blog mais vezes!!!

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  2. Também concordo que Kevin amava a mãe de uma forma doentia. Me pareceu que ele sentia ciúmes da irmã. Logo depois que ela volta do hospital e todos lhe dão uma atenção especial ele parece não gostar nem um pouco.

    Não há como negar que Kevin sofria de algum distúrbio, mas a forma como foi educado só piorava sua situação. Ficou bem visível pra mim que ele sempre foi muito mimado pois nunca era repreendido. Vendo o comportamento da mãe que compactuou com sua mentira do braço quebrado pelo resto da vida, só intensificou sua personalidade sádica.

    A única vez em que foi repreendido, ele mudou suas atitudes. Não estou dizendo que os pais devem abusar da violência física para "corrigir" as atitudes dos filhos, mas algo deve ser feito. Ignorar é a melhor forma de contribuir para o mau comportamento.

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    1. É verdade Karzin, não havia limites para Kevin... Ele foi até onde quis ir.

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  3. Não tem nenhuma indicação ao Oscar desse filme! Como assim?
    http://veja.abril.com.br/noticia/celebridades/%E2%80%98hugo%E2%80%99-lidera-indicacoes-ao-oscar-com-11-nomeacoes-o-artista-tem-10

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  4. Nossa, gostei! Quero ver esse filme! E imaginei que ele deveria ter feito realmente essa atrocidade mesmo...

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  5. Janga, eu super recomendo o filme! Veja sim! Agora estou lendo o livro... #medo

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  6. Oi Veronica, gostei da sua crítica, que abrangeu vários pontos. O que mais ficou na cabeça foi a questão da relação mãe-filho. Percebo o "amor" obcecado que outras pessoas citaram aqui, mas também entendo que há uma redução a mais a se fazer. Pra mim, Kevin questionava o tempo todo a escolha da mãe de ser mãe, e portanto, também o amor da mãe por ele. Eu não acho que é só uma questão de ser obcecado pela mãe e querer ficar com ela só pra ele. Ele é obcecado por confrontar a mãe com a falta de autenticidade na sua vida(a cena no restaurante em que ele a reprime, ironizando toda a falta de originalidade do que ela vai lhe perguntar, demonstra bem isso), para assim, provar a sua falta de amor por ele. A suposta falta de autencidade da mãe é tomada por Kevin como fundante para uma quebra de propósito para a sua própria vida. Ele não vê sinceridade na mãe, e talvez também não visse nas pessoas ao seu redor.Ele tem raiva da mãe por isso. Dessa forma, o que eu entendi que fazia sentido para ele, era levar a mãe ao limite (matando todos a quem ela amava, agredindo, ferindo outras pessoas), para que ela, assim, (já que seria o que se esperaria), virasse às costas a ele, e ele provasse a falta de amor dela por ele, com ela, enfim, se libertando de uma "vida de mentira". Só que ela, ao inesperadamente, continuar indo visitá-lo, arrumando seu quarto da melhor maneira possível, ou seja, fielmente dedicada (ou presa?) ao papel de mãe, faz com que ele no final não possa dizer porque fez o que fez. Ele não pôde confirmar a falta de amor dela, a falta de sentido da sua vida, e nem confirmar a presença desse amor (pois que mãe ficaria ao lado de um filho que matou seu próprio marido e sua outra filha?).
    No início do filme, tive muito receio de que esse filme pudesse levar as pessoas a pensarem nos assassinos e infratores jovens, como jovens psicopatas, naturalizando uma psicopatia, e não falando das questões sociais que vemos tão urgentes na questão brasileira. Mas como vc mesma colocou na sua crítica, o Kevin e sua maldade é um caso possível para a existência humana. Foi assim que ele enxergou as possibilidades para o que estava ao seu redor, e ele, com certeza, estava querendo dizer algo com isso.
    Acho que o filme, como vc bem disse, levanta diversas questões mesmo, como sobre o que fazer diante de uma situação dessas. E para os pais, não sei se fica um recado de julgamento sobre "castigos" ou uma maneira certa de educar. Acho que o filme chama atenção sobre a necessidade de falar sobre isso (daí o título). Mas acho que a Eva, mãe de Kevin, pra falar sobre ele, precisaria falar sobre si e sobre suas próprias escolhas também, o que não necessariamente iria mudar a frustração e antipatia de kevin, mas talvez desse mais liberdade de decisão e atuação a quem estava por perto dele.

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    1. Muito interessante o seu ponto de vista Paula!
      Uma coisa que vc disse que me chamou atenção foi sobre a autenticidade da Eva como mãe. Eu vejo que foi um dilema extenuante para ela ser ao mesmo tempo mãe e gostar desse papel, mas por outro lado ser quase intolerante gostar de Kevin, seu filho (no livro isso fica mais claro). Como deve ser difícil admitir não gostar do próprio filho, e ela se vê pensando (e sentido) isso sempre. Eu acho que ela tenta até o fim ser uma "mãe ideal" dentro do possível... E acho que ela, apesar dos pesares, é autêntica com Kevin porque ela sabe exatamente quem ele é, e ele sabe disso.
      Mas acho que ele confronta o tempo todo a mãe como se questionasse: "que mãe é você?"

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    2. Concordo com muita coisa que você disse e principalmente, você me fez ver algo que eu não tinha percebido. Mas também acho que o Kevin questionava o papel de mãe em relação à ele, pois à Celia ela se dedicava e mostrava não só amor, mas também carinho e atenção. E o Kevin percebia isso, tanto que uma de suas ações resultou na irmã perder o olho. Porque não ferir o pai, já que a mãe claramente o amava? Porque o pai não está na mesma condição condição que o Kevin de filho, o amor que ela sente pelo Frank é outro. Mas a Celia está na mesma situação que ele na vida da Eva e ainda sim ela é genuinamente amada,e porque não ele? No fim das contas grande parte do que o Kevin fez foi fruto de um adolescente mimado e ciumento que queria atenção. Apesar de já ser um adolescente, muito inteligente por sinal, no fundo ainda era infantil.

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